quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Buda, o elefante, os cegos e o mensalão


análise do mensalão


Por Pedro Abramovay*, especial para o blog de Ancelmo Gois
Há uma história budista clássica na qual quatro cegos são convidados a tocar em um elefante e descrever o que sentiam. O primeiro, que tocara a tromba, disse que estava ao lado de uma cobra. O segundo, perto da orelha, disse que era um cesto. O que estava perto da presa afirmou ser uma espada. Aquele que tocou o corpo disse que era um celeiro. A história é contada para mostrar como visões parciais podem gerar uma distorção completa da realidade.
O processo do mensalão traz de volta essa história. A clara disputa entre a tentativa do Ministério público de dar uma visão global sobre a complexa - e incontestada- distribuição de recursos e o esforço dos advogados de contar a história a partir do ponto de vista individual de seus clientes nos remete à parábola budista.
O que é importante perceber é que o Ministério Público também é parte, também constrói sua versão sobre o elefante a partir do seu ponto de vista. É tão "cego" quanto os advogados. A sua visão sistêmica pode muito bem acertar na descrição do elefante ou descrevê-lo como uma cobra em um cesto segurando uma espada em um celeiro.
Quem realmente pode dar o veredito final sobre o que os cegos reamente tocaram, no nosso caso, é o Supremo. O desafio é que, como se nota, ele tem que fazê-lo a partir de visões parciais e conflitantes. As 50.000 páginas de processo e os sete anos que se passaram desde a abertura do inquérito são fruto do esforço do Estado de Direito para que o Supremo possa construir sua versão completa sobre o fato.
O problema é que, em um caso de tamanha proporção, há tantos cegos quanto técnicos da seleção brasileira em época de Copa do Mundo. Cada brasileiro tem sua versão sobre o que é o mensalão, sobre o que é o elefante. Assim, o mais importante, nos próximos dias, quando os minsitros começam a votar, não é imaginar que o STF conseguirá descrever a verdade sobre o que foi o mensalão. Mas sim que ele se coloca neste processo como um ator que não é cego, que não é parcial, que é capaz de produzir uma versão acima da justa polarização existente no processo e na sociedade.
Se o STF conseguir convencer os brasileiros disso, estará garantida a legitimidade deste Tribunal que tem sido tão importante para ampliar os horizaontes da democracia brasileira, caso contrário -- caso os votos dos ministros pareçam apenas mais uma versão parcial- nosso reino de cegos ficará sem rei.
* Pedro Abramovay é professor de direito da FGV.

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