quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Dica de filme: Watchmen

Ivan Carlo Andrade de Oliveira

Watchmen, filme de Zack Snyder, baseado na obra de Alan Moore e Dave Gibbons, parece apenas mais um filme de super-heróis. Mas, por trás dos uniforme e das máscara, há uma obra que envolve conceitos filosóficos e científicos.
Watchmen surgiu de uma ideia de Alan Moore de mostrar como seria o mundo se os super-heróis realmente existissem. Como eles se relacionariam com os seres humanos normais, quais seriam suas angústias, que consequências isso teria?
Para responder a essas perguntas, Moore lançou mão de um dos princípios da teoria do caos: o efeito borboleta. Esse conceito foi elaborado a partir da grande dependência das condições iniciais apresentadas pelos fractais. A mudança de um único número pode transformar completamente o formato de um desenho fractal. A mesma regra vale para alguns eventos não lineares. Assim, o bater de asas de uma borboleta nas muralhas da China pode provocar uma tempestade em Nova York.
Moore transpôs o conceito para os quadrinhos. Se o bater de asas de uma borboleta pode ter consequências tão imprevistas, imagine-se o surgimento de super-heróis. Para Moore, o mundo jamais seria o mesmo. Com isso ele destruiu a ilusão de que deuses poderiam andar entre nós sem afetar radicalmente nosso cotidiano.
Até então, os avanços tecnológicos conseguidos pelos super-heróis não afetavam em absoluto o mundo em que viviam. Um exemplo disso são as histórias do Quarteto Fantástico, no qual apareciam foguetes estelares e computadores capazes de criar realidade virtual, mas essas mudanças não afetavam a vida das pessoas comuns.
O mundo de Watchmen que, até a década de 60 era semelhante ao nosso, transforma-se com o surgimento do primeiro herói com superpoderes de verdade: o Dr. Manhattan. Seu surgimento fez com que os EUA vencessem a guerra do Vietnã e, de certa forma, a Guerra Fria. . A cena inicial do filme, com créditos mostra as mudanças socias, políticas e tecnológicas provocadas pelo surgimento dos heróis: a repressão ao movimento hippie, o avanço da violência, a tensão com os países socialistas aumentando, o avanço da tecnologia...
É de se destacar que a própria transformação de Manhattan em um ser super-poderoso é provocado por um fato trivial, um efeito borboleta: o esquecimento de um relógio numa câmara de campo intrínseco.
Essa nova perspectiva e a narrativa não-linear, repleta de flash-backs e de informações em variados níveis tornaram Watchmen a obra a mais revolucionária da época.
Vista sob a perspectiva dos anos 90, Watchmen destaca-se por ser uma obra nitidamente pós-moderna. Algumas características das obras pós-modernas podem ser facilmente encontradas na HQ e no filme. Entre elas o uso de formas gastas e da cultura de massas. A construção em abismo é outra característica que encaixa Watchmen no grupo de obras pós-modernas. A história inicia com uma trama básica, a respeito de um matador de mascarados, e, a partir dela, desmembra-se outras tramas. Como num fractal, à medida em que nos aprofundamos, a história vai nos revelando novas complexidades.
Temos ainda o uso de personagens reais (Nixon aparece na história), o pesadelo tecnológico (o mundo de Watchmen está à beira de uma guerra nuclear), o uso de citações e metalinguagem (um garoto lê, em uma banca de revistas, um gibi de piratas que pode ser considerado como uma metáfora de toda a história - essa HQ foi transformada em desenho animado e lançada como DVD).
Mas a principal característica pós-moderna da história parece ser a mistura do sério com o divertido. Divertido porque Watchmen é uma história de super-heróis e, em certo sentido, policial, e guarda muitas características desses dois gêneros.
O caráter sério é a discussão sobre o mundo em que vivemos, sobre o que nos tornamos e sobre a ciência e a razão.
Um dos pontos-chave dessa discussão é o Dr. Manhattan que, graças a um acidente em um laboratório, torna-se onisciente e onipresente. Sua criação parte do princípio da ciência clássica de que o universo é um relógio e que, sabendo-se como funcionam seus mecanismos, é possível prever sua trajetória. Essa noção do universo como um relógio remonta a Laplace, sendo uma promessa da filosofia das luzes do século XVIII. Acreditava-se que a natureza seguia regras fixas que podiam ser descobertas com o uso da razão, como no caso de um relógio.
A inteligência laplaciana seria onisciente, mas impotente para realizar alterações no mundo à sua volta. Uma vez que tudo é determinado, restaria a ela apenas um olhar entediado sobre o porvir, pois nada poderia ocorrer que não tivesse previsto.
A inteligência laplaciana, como uma metáfora da ciência clássica, é representada em Watchmen pelo personagem Dr. Manhattan. Manhattan é um ser superpoderoso, mas incapaz de tomar decisões que não estejam incluídas no curso dos acontecimentos. À certa altura o personagem diz: “Tudo é pré-ordenado, até minhas respostas. Todos somos marionetes, Laurie. A diferença é que eu vejo os barbantes”.
Manhattan vive uma sabedoria que, ao invés de libertá-lo, torna-o prisioneiro dos acontecimentos. Essa postura o exime de responsabilidades.
Em contraposição ao demônio Laplaciano, Moore cria Ozymandias, um herói que cria estratégias a partir do caos, como pode-se perceber na sequência em ele olha para mutitela e toma decisões.
Em frente à multitela, Ozimandias monta sua estratégia a partir das informações que recebe a respeito da velocidade das partículas que se aproximam da abertura. A partir da entropia inicial, Ozimandias consegue perceber uma forma, um padrão. Assim, Ozymandias aproxima-se muito das teorias de Edgar Morin, segundo o qual a ciência deve trabalhar com ordem e caos e não com o determinismo.
Assistir Watchmen pode ser uma experiência divertida, mas pode ser também uma reflexão científica e a filosófica.

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