quinta-feira, 5 de julho de 2012

O padre e o chuveiro: Atos libidinosos próprios e impróprios



Saiu na Folha de ontem (4/6/12):

Padre acusado de abusar de jovens é preso no Morumbi
O padre Anderson Risseto, 39, foi preso ontem sob suspeita de abusar sexualmente de seis jovens na casa onde funcionava uma instituição comandada por ele no Morumbi, na zona oeste paulistana. Ele nega o crime (…)
‘Um dos jovens disse que era obrigado a manter relações sexuais com ele desde os 11 anos’, disse o delegado Paul Verduraz, do 15º DP (Itaim Bibi).
Os jovens, que têm entre 15 e 18 anos, disseram à polícia que o padre promovia festas regadas a álcool e obrigava as vítimas a dormir em sua cama e tomar banho com ele. A investigação foi acompanhada por representantes da Igreja Católica

Estupro inclui tanto conjunção carnal – que é a penetração do pênis na vagina – quanto atos libidinosos.

Atos libidinosos, por sua vez, incluem dois grupos: alguns são próprios. Eles têm caráter nitidamente sexual (ainda que não envolvam penetração do pênis na vagina). Já outros são impróprios: a princípio não têm caráter sexual, mas  adquirem caráter libidinoso por conta das circunstâncias em que são praticados.

Por exemplo, sexo anal, oral e masturbação são nitidamente atos sexuais. Não há dúvida a respeito. Eles são praticados apenas com essa finalidade. Se um médico pratica sexo anal com seu ou sua paciente, não há como ele dizer que o(a) estava examinando.

Mas há atos que podem ou não terem caráter libidinoso. Vai depender da finalidade e intenção da pessoa que o pratica, e das circunstâncias em que são praticados. Por exemplo, se o mesmo médico toca com seu dedo a vagina da mulher, ele pode estar examinando-a ou pode estar estuprando-a. Vai depender das circunstâncias. Se o médico está em um ônibus lotado e toca a vagina da mulher, é claramente estupro. Se ele está no meio de uma operação em que o toque dos órgãos sexuais é necessário, não tem nada de criminal. Se, em seu consultório, o médico toca o ânus do cliente, ele pode estar fazendo um exame para detectar câncer de próstata. Mas se ele toca o ânus sem qualquer necessidade, é estupro.

Mas há alguns complicadores porque nossa lei é tímida (no sentido literal) e tenta evitar ‘dar nome aos bois’. Ela diz ‘libidinoso’ mas não diz qual o limite entre aquilo que é e aquilo que não é libidinoso, e não dá exemplo para nos balizarmos. Por isso, alguns atos acabam sendo objeto de muita controvérsia.

Por exemplo, um beijo lascivo é um ato libidinoso? Ele tem caráter sexual (libido), mas isso seria um estupro? Ou seria mera importunação ofensiva ao pudor? Porque a lei ficou com vergonha de falar sobre sexo de forma clara, acabou dando margem a dúvidas e longos debates entre juristas e magistrados.

Mas voltemos à matéria acima: tocar libidinosamente um menor de 14 anos é estupro. Logo, dar um ‘banho’ ou ‘ensaboar’ o menor de 14 anos, ainda que ele concorde, é estupro. Isso porque o toque tinha caráter claramente sexual. Não é o caso, por exemplo, dos pais que banham o filho pequeno: ainda que seja um menor de 14 anos e haja um toque, não há um caráter libidinoso naquele toque.

Mas e se ambos simplesmente tomaram banho nus juntos, sem que um tocasse o outro? Aqui o debate entre juristas é ainda mais longo. Isso porque não há sequer o toque. Por isso alguns juristas dizem que é ato obsceno (um ato que vai contra a moral). O problema aqui é que ato obsceno só acontece em local público ou aberto ou exposto ao público. E o chuveiro de sua casa não é nenhuma dessas três coisas (embora alguns juristas digam que, se é possível levar a vítima até o banheiro, é porque ele é aberto ao público).

Outros juristas dizem que é estupro pois, final, o ato era libidinoso, e apenas não houve toque. De fato a lei não diz ‘tocar’. Ela diz apenas ‘praticar ato libidinoso’. Um criminoso que aponta a arma para a vítima e a obriga a introduzir algum instrumento em sua própria vagina a está estuprando, ainda que não a esteja tocando.

E alguns dizem que é satisfação de lascívia mediante a presença de menor porque o suspeito induziu o menor de 14 anos a presenciar um ato libidinoso (i.e., um ato de cunho sexual) para satisfazer suas lascívia (i.e., seus impulsos sexuais). Mas aqui, novamente, caímos no debate se ato libidinoso envolve ou não toque.


PS: O título da matéria diz que ele foi "acusado de abusar". Ele ainda não foi acusado de nada. Ele é apenas suspeito. E ele jamais poderá ser acusado de abuso porque abuso não é crime

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