segunda-feira, 2 de julho de 2012

IMPERDÍVEL A LEITURA DO ARTIGO SOBRE O GOLPE QUE DERRUBOU O PRESIDENTE PARAGUAIO


Comentário

Golpe legal, por Ricardo Noblat


Foi golpe ou não foi a destituição de Fernando Lugo da presidência do Paraguai?
A Suprema Corte de lá disse que não foi. Que o Congresso respeitou o rito estabelecido para se depor um presidente. (Rito sumário, pelo visto).
Mais: que o próprio Lugo concordou com o rito, o que é verdade. E, por fim, que ele foi sucedido pelo vice-presidente como manda a lei.


Então por que uma fatia de países latino-americanos e de entidades internacionais insiste em considerar suspeito o que aconteceu no Paraguai?
Ora, porque foi suspeito. Para lá de suspeito. Falsamente legal.
Os paraguaios assistiram bestificados a substituição de Lugo.
Em 2009, Honduras inventou o “golpe legal” com a queda do presidente Manuel Zelaya, um conservador seduzido por Hugo Chávez, presidente da Venezuela.
A Justiça de Honduras avalizou o golpe engendrado pelo Congresso. Respeitou-se a Constituição, proclamou a Justiça.
Lorota!
O que tornou acintosamente ilegal o golpe em Honduras foi a prisão de Zelaya pelo Exército e a sua expulsão do país. Tal violência não estava prevista na Constituição.
Os políticos paraguaios foram menos rudes do que seus colegas hondurenhos. Lugo continua vivendo em Assunção e falando o que quer. Ou o que a sua tibieza permite que fale.
O que tornou descaradamente ilegal o golpe no Paraguai foi que o impedimento de Lugo se deu mediante o escandaloso cerceamento do seu direito de defesa.
Quem diz que o golpe não foi golpe menciona o artigo 225 da Constituição do Paraguai. Está dito ali que o Congresso pode despachar o presidente emitindo um “juízo político”.
Mas o artigo 17, que trata dos Direitos Processuais, determina no item 7: o acusado deve dispor “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”.
Anotaram aí? O acusado deve dispor “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”.
Um editorial da Folha de São Paulo concluiu na semana passada: “Apesar de cercear direito de defesa, impeachment de Lugo foi constitucional”.
Parece piada da Folha ou não parece? Deve ser piada.
Como pode estar de acordo com a Constituição um processo de impeachment que cerceia o direito de defesa?
Basta que um simples cidadão tenha seu direito de defesa limitado para que a eventual punição imposta a ele seja declarada nula. O direito de defesa só não existe nos países que desprezam a democracia. Ou onde ela funciona mal.
O processo que resultou na derrubada de Lugo durou menos de dois dias. Para ser exato: cerca de 36 horas.
Câmara dos Deputados e Senado votaram às pressas. E Lugo teve apenas duas horas e meia, não mais do que isso, para se defender.
Um processo aberto e fechado em 36 horas, meus caros! E duas horas e meia para Lugo provar sua inocência!
Fale sério: você diria que Lugo dispôs “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”?
Os acusadores dele levaram meses aparando suas diferenças, negociando o futuro compartilhamento do poder e amadurecendo o que diriam para justificar a queda de um presidente legitimamente eleito.
Meses, não, anos.
Há mais de dois o governo dos Estados Unidos foi avisado por sua embaixada de que estava em curso uma manobra para depor Lugo.
As acusações produzidas contra Lugo foram pífias, inconsistentes e cavilosas. Talvez a maioria delas não resistisse a uma investigação independente.
Mas como sugerir uma investigação independente de um dia para o outro e apenas com duas horas e meia de explanação para uma plateia decidida a condenar o réu?
Lugo foi acusado de autorizar em 2009 uma concentração política de jovens na sede do Comando de Engenharia das Forças Armadas. O Estado pagou as despesas.
Também foi acusado de instigar e facilitar recentes invasões de terras na região de Ñacunday. Além disso, segundo seus desafetos, foi responsável pelo choque entre sem-terras e policiais que resultou na morte de 17 deles em Curuguaty.
Última acusação que fez parte do pedido de impeachment de Lugo: ele teria sido “absolutamente incapaz de desenvolver política e programas destinados a diminuir a crescente insegurança cidadã”.
Quanto às provas que sustentaram as acusações...
Que provas? Para quê provas?
Está dito no memorial que propôs a saída de Lugo da presidência: “Todas as causas mencionadas mais acima são de notoriedade pública, motivo pelo qual não necessitam ser provadas, conforme nosso ordenamento jurídico vigente”.
Notório é que a terra é redonda. Mas quanto tempo se levou para que essa verdade fosse aceita? No ano passado, um satélite europeu conferiu que a Terra não é inteiramente redonda. É meio achatada nos polos.
Lugo foi um presidente fraco, medíocre, desarticulado?
Foi. Uma das evidências: o placar do impeachment. Na Câmara dos Deputados: 73 votos contra 1. No Senado: 39 a 4. O próprio partido de Lugo votou contra ele!
Lugo cometeu erros? Cometeu sim, senhor. Assim como todos os presidentes cometem. Eles não são infalíveis – à parte Lula, é claro.
Os erros cometidos por Lugo não empurraram o Paraguai para a beira do abismo. Não ameaçaram o regime que ali funciona. Nem provocaram convulsão social.
Daqui a 10 meses haverá eleições no Paraguai. A reeleição para presidente é proibida.
Lugo acabou apeado do poder não como o presidente incompetente que pode ter sido. Saiu como vítima de uma contradição em termos chamada “golpe legal”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário